A vez do emergente atrapalhar o mundo

Por algum tempo, vigorou a idéia de que os países emergentes conseguiriam sozinhos manter o ritmo de crescimento global num nível razoavelmente elevado, a despeito da desaceleração nos EUA e na Europa. Isso serviu de esperança para que os mercados não degringolassem de vez. Nos últimos dias, porém, cresceu a expectativa de que o cenário não será benigno como se pensava. O crescimento dos países em desenvolvimento pode ser menor do que se previa, o que já começa a bater nos preços das commodities, já que essas nações estão entre os grandes produtores desses produtos.
Esse foi o sentimento que tomou conta dos mercados ontem, provocando quedas significativas em boa parte deles. O Índice Bovespa, por exemplo, caiu 3,51%, fechando aos 55.609 pontos. Esse é o menor nível do indicador desde 23 de janeiro, quando encerrou o pregão aos 54.234 pontos. A bolsa brasileira sofreu de forma especialmente cruel, uma vez que as ações de commodities têm uma participação expressiva no pregão. Dentro do Ibovespa, esses setores (siderurgia, mineração, petróleo) significam 50%. Só as ações das gigantes Petrobras e Vale pesam 30% no indicador.

“A expectativa do mercado de que os emergentes conseguiriam se descolar da desaceleração dos grandes países, o tão famoso ‘decoupling’, perdeu força e está dando lugar a idéia de que todos caminharão para o desaquecimento”, diz o chefe da área de renda variável da Fundação Cesp, Paulo de Sá Pereira.
Mas o que mudou de tão importante para os analistas perderem a esperança do descasamento? Os índices de inflação e, conseqüentemente, o movimento das taxas de juros dos países emergentes, explica Sá Pereira. No primeiro cenário (o do descasamento), o que se imaginava era que as economias desenvolvidas ficariam fracas, mas a pujante atividade econômica dos emergentes seguraria as pontas do crescimento econômico global. Mas o repique inflacionário fez com que os bancos centrais de uma boa parte dessas nações retomassem o processo de aperto monetário, o que, portanto, fará com que o crescimento desses países seja menor do que o previsto.
“Como os países emergentes vinham crescendo bem, os bancos centrais tinham margem de manobra para subir juros e assim tentar combater a inflação”, diz Sá Pereira. “Diferentemente dos países desenvolvidos, que já estavam com as economias combalidas, portanto, sem grandes chances de elevações nos juros”, explica o gestor.

O resultado disso é que as perspectivas de que o crescimento global será menor do que nos últimos anos ficou ainda pior e os mercados estão caindo exatamente para refletir o novo cenário. Sá Pereira, por exemplo, reduziu suas previsões de 3,5% para 3% no crescimento global. Ele faz questão de ressaltar que essa piora nas projeções está longe de ser o fim do mundo. “Haverá apenas uma desaceleração mundial maior, o que é muito diferente de dizer que haverá uma recessão no mundo”, diz Sá Pereira. Seguindo esse raciocínio, é de se esperar que os preços das commodities não sigam no mesmo ritmo de valorização dos últimos cinco anos, mas permaneçam nos níveis atuais, que já são para lá de elevados. “Se o mundo crescer os tais 3% ao ano nos próximos anos, isso já será suficiente para a oferta das commodities continuar sendo menor que a demanda”, completa o gestor da Fundação Cesp.
As principais ações de commodities da Bovespa sofreram ontem como há muito tempo não se via. As preferenciais (PN, sem direito a voto) série A da Vale caíram 7,15%, fechando em R$ 35,70. Já as PNs da Petrobras tiveram queda de 4,69%, encerrando o dia em R$ 32,89. Os analistas não têm dúvida em dizer que, para quem tem sangue-frio para aguentar os solavancos do curto prazo, essa é uma oportunidade ímpar para se investir em companhias com excelentes fundamentos, como Petrobras e Vale, e que darão frutos assim que a poeira assentar.

Gordura para queimar
Estar entre os mercados que mais subiram nos últimos anos tem lá as suas desvantagens. Quando o medo aperta, eles são os primeiros que os investidores estrangeiros tiram de suas carteiras, já que conseguem vender os ativos ainda com algum ganho. A conseqüência é que essas bolsas são as primeiras a caírem. A Bovespa se encontra exatamente nessa situação. Desde julho, quando a situação se agravou, o Ibovespa já caiu, em dólar, 13,05%, uma das maiores quedas entre as principais bolsas mundiais. “Esse desempenho é tão ruim que o Ibovespa passou a cair no ano mais do que a bolsa do México”, diz o gestor de renda variável da Infinity Asset Management, George Sanders. No ano, o Ibovespa cai, em dólar, 1,54% ante uma queda de 1,03% do índice mexicano. A boa, ou má notícia é que essa baixa da bolsa brasileira ainda é uma das menores, ou seja, ainda há muita gordura para queimar.