Ele apostou todas as fichas – e venceu

Alexandre Gomes, o primeiro brasileiro a ganhar um grande torneio internacional, é o herói de uma geração que aprendeu a jogar pôquer na internet
Pedro Nogueira
Marcelo Rudini
CAMPEÃO
Alexandre Gomes, vencedor de uma etapa do World Series of Poker. “Os grandes jogadores são agressivos”, diz

A K. Ás e rei. Essas eram as cartas que Alexandre Gomes segurava quando Marco “Crazy” Johnson apostou todas as fichas – o que é conhecido como all-in na gíria do pôquer. Os dois estavam na final de um dos 55 torneios que compõem o World Series of Poker (WSOP), uma espécie de olimpíada anual do pôquer, em julho, em Las Vegas. Após três dias de competição, sobraram apenas Alexandre e Johnson de um total de 2.317 inscritos. O prêmio para o campeão: US$ 770 mil e um bracelete de ouro cravejado de diamantes. O jogo em questão: o Texas Hold’em No Limit (sem limite de apostas), a modalidade do pôquer mais popular.
Alexandre pagou, sem hesitar, a aposta do americano, que abriu as cartas: JQ, valete e dama. A torcida do brasileiro, cerca de 50 pessoas que acompanhavam o duelo ao lado da mesa, ficou mais barulhenta que nunca. Se Alexandre ganhasse aquela mão, ficaria com o título. Usando uma camiseta verde-e-amarela, ele se levantou para assistir em pé ao desfecho da jogada. Os dois competidores já estavam “de all-in”. Faltava apenas que o crupiê virasse as “cartas comunitárias” para definir o ganhador (no Texas Hold’em, vence o jogador cujas duas cartas pessoais formam a melhor combinação com as cinco cartas da mesa).
O crupiê abriu 2-3-4-A-4. Alexandre tinha um par de ases vencedor. Restou, então, a Crazy Johnson assistir à festa dos brasileiros, que pulavam aos gritos de “Aha, uhu, o bracelete é nosso!”. A cena está no YouTube. Com a vitória, o curitibano de 26 anos, que largara poucos meses antes a carreira de advogado para viver do baralho, tornou-se o primeiro brasileiro a vencer um torneio de prestígio internacional.
Esqueça a idéia do pôquer como um jogo de homens velhos e mal barbeados em uma sala escura e esfumaçada. Alexandre faz parte de uma nova geração de jogadores criada no universo on-line. Simpático e bem-humorado, tem o visual típico de um garotão: calça jeans e camiseta largas, blusa de moletom por cima. Fala sem pressa, e não economiza nos detalhes – especialmente se o assunto for pôquer. No bolso, leva um adesivo do site PokerStars, seu patrocinador desde a conquista em Las Vegas, para grudá-lo na roupa caso vá jogar baralho ou tirar uma foto. O bracelete do WSOP, diz ter guardado em um cofre.
O Texas Hold’em entrou na vida de Alexandre aos 22 anos, de uma maneira convencional: pelos amigos. Às segundas-feiras, eles se reuniam para brincar em partidas de R$ 10. Um dia, por insistência de um dos colegas, decidiu experimentar o pôquer on-line. Foi quando fez seu primeiro – e único – depósito no PokerStars, de US$ 100. Com o apelido Allingomes, só jogava de madrugada. “Eu trabalhava o dia inteiro e estudava à noite”, afirma. “Restava a madrugada para jogar”. Já na primeira semana, em um torneio cuja inscrição custara US$ 3, ficou em terceiro lugar e faturou US$ 1.500.

Allingomes – apelido de Alexandre na internet – começou
em um torneio de US$ 3. Ganhou US$ 1.500

Animado com o resultado, sacou US$ 1.000 (“Para sentir no bolso o efeito real dos ganhos”) e deixou US$ 600 para continuar jogando. Foi logo “fatiado”, como se diz nas casas de pôquer quando alguém perde muitas fichas (leia o quadro na próxima página). Sua conta ficou reduzida a US$ 50. “Naquele momento, percebi que o Texas Hold’em não é tão fácil quanto parece”, diz. Alexandre passou a estudar o jogo em blogs, revistas, livros e fóruns de discussão. Acompanhava, madrugada adentro, os profissionais em ação nas mesas on-line. “Notei que os grandes jogadores têm algo a mais: a agressividade”, diz ele. “Claro que precisa ser ponderado. Mas você se torna um risco para a ficha dos adversários”.
Em pouco tempo Allingomes reencontrou o caminho da vitória. Num torneio de US$ 11 a inscrição, chegou, às 6 horas da manhã, à mesa final, depois de passar a madrugada inteira na frente do computador. Embolsou US$ 13.500 pelo título.
Alexandre está na categoria Bomba no site PokerListings, que classifica os jogadores de acordo com sua postura à mesa. Na descrição do site, “bomba” é “um jogador agressivo e temido pelos adversários”, que “ganha muitas jogadas no blefe”. Há outras categorias, como a dos “maníacos”, que são “extremamente agressivos e estão sempre apostando alto”.
O PokerListings tem também um ranking dos maiores vencedores e perdedores da internet. Na lista vermelha, o líder é Lady Marmelade, com US$ 2,7 milhões negativos em 2008. Não se sabe ao certo quem é Lady Marmelade, mas tudo sugere que seja o canadense Guy Laliberte, o bilionário fundador do Cirque du Soleil. Laliberte se tornou um mito do pôquer – não pelo talento, mas pelas perdas astronômicas. Já o maior ganhador do ano é Durrrr, com quase US$ 2,3 milhões positivos. Seu nome é Tom Dwan. Ele tem 22 anos.
Uma máxima do pôquer diz que o Texas Hold’em leva um minuto para aprender e a vida inteira para dominar. A nova geração de jogadores on-line tem tudo para aposentar o ditado. Na internet, eles têm acesso a fóruns de discussão, onde debatem jogadas e táticas de jogo, e a blogs de profissionais consagrados, que compartilham seus conhecimentos com os visitantes. Essa plataforma de informações, aliada à possibilidade de jogar a qualquer hora do dia e da noite, permite que os adeptos do pôquer on-line desenvolvam suas habilidades de maneira extremamente rápida. Um bom exemplo foi um caso ocorrido em setembro de 2007. Na final de um torneio europeu, sobraram uma garota de 19 anos, Annette Obrestad, e o lendário Doyle Brunson, um texano de 75 anos que há mais de cinco décadas marca presença nas principais mesas de Las Vegas. Annette_15, como é conhecida na internet, derrotou o caubói e levou para casa, na Noruega, 1 milhão de libras. Annette, que desde os 15 anos joga pôquer on-line (daí o número em seu apelido), já ganhara mais de US$ 800 mil em sites de pôquer.
Apesar das histórias de sucesso de Annette e Alexandre, nem sempre os jogadores que têm sucesso na internet conseguem bons resultados ao vivo (e vice-versa). “É como futebol de campo e de salão, são estilos de jogo diferentes”, diz Alexandre. O americano Phil Hellmuth, por exemplo, recordista do WSOP, com 11 braceletes conquistados, tem fama de ser um “pato” no pôquer virtual. Alexandre encontrou Hellmuth certa vez no cassino Bellagio. “Ele estava acompanhado pelo Michael Phelps. Depois de apresentá-lo a um amigo da mesa, Phil começou a reclamar da internet, dizendo que não agüentava mais perder tanto dinheiro lá.”
 

Alexandre Gomes, o primeiro brasileiro a ganhar um grande torneio internacional, é o herói de uma geração que aprendeu a jogar pôquer na internet
Pedro Nogueira
fotos Denise truscello/Wireimage e Chris Weeks/Wireimage
ÍDOLOS
A popularidade do pôquer transformou em estrelas jogadores como Phil Hellmuth (à esq.) e Daniel Negreanu (à dir.), que já ganhou mais de US$ 10 milhões só em campeonatos ao vivo

Na temporada de 2007, Alexandre estava conseguindo bons resultados tanto no pôquer on-line quanto ao vivo. O sucesso criou um dilema em sua vida. Recém-formado em Direito, sócio de um pequeno escritório de advocacia, ele se empolgou com a possibilidade de fazer carreira com as cartas. Para dificultar a decisão, ele e a namorada, Priscila, planejavam o casamento (“Está marcado para março do ano que vem”, diz). A dúvida acabou quando ganhou, no começo de 2008, US$ 65 mil em um único dia. Mas ainda hoje, quando faz check-in em hotéis de Montecarlo, Aruba, Atlantic City ou Punta del Este, escreve “advogado” no campo “profissão”, em vez de “gambler”, jogador em inglês. “Para facilitar”, diz, rindo.
“Às vezes me pergunto o que meu pai acharia de eu viver do baralho”, afirma. Quando Alexandre tinha 15 anos, a família estava de mudança para Santa Catarina. Seu pai, Valmir, médico pediatra, recebera uma proposta para trabalhar lá. Durante a viagem, ele perdeu a direção e o carro se chocou com uma árvore. A mãe e a irmã sobreviveram, Valmir não. Alexandre fraturou a bacia.

Alexandre largou o Direito para viver de pôquer.
“Às vezes me pergunto o que meu pai acharia”, diz

O bracelete do World Series of Poker foi o grande salto na carreira de Alexandre. Além do reconhecimento e, é claro, dos US$ 540 mil na conta (“30% ficaram de imposto nos Estados Unidos”, diz), vários sites lhe ofereceram patrocínio. Alexandre assinou com um deles – o mesmo de André Akkari, outro importante jogador brasileiro – e, de lá para cá, viaja sem parar para disputar os maiores torneios do mundo. Falou a ÉPOCA entre uma viagem à Inglaterra e outra à Costa Rica. E Priscila? “Ela nunca se incomodou que eu jogasse”, diz sobre a noiva. “Quando pode, até me acompanha nessas viagens”.
Da mesma maneira que atletas são procurados por empresas como Nike e Adidas, os sites de pôquer disputam as estrelas do Texas Hold’em. As transmissões televisivas deram status de celebridade aos jogadores. Tê-los usando suas logomarcas traz credibilidade e visibilidade aos sites e atrai novos apostadores. Nos EUA, o pôquer é o terceiro esporte (seus praticantes afirmam que deve ser considerado um esporte) mais visto na TV a cabo, à frente até do basquete profissional da NBA.

O vocabulário do Texas Hold’em
APOSTAR A CASA sinônimo de all-in, apostar todas as fichas
BAD BEAT azar, castigo. Quando você é o favorito para vencer uma mão e a perde
BOLHA último jogador fora da zona de premiação. Se apenas os dez primeiros são premiados em um torneio, o 11º é o bolha
DAR UM RAISE subir a aposta. O mesmo que repicar
EMPURRADOR jogador que aposta constantemente
ESTAR NO DRAW ter uma “pedida”, possibilidade de fazer um jogo forte
FATIAR ganhar uma grande quantidade de fichas do adversário
FOLDAR não pagar a aposta, fugir da mão
LOOSE jogador agressivo e temerário
NAIPADO duas cartas do mesmo naipe
NUTS estar absoluto na mão, com o jogo mais forte possível
POTE as fichas que estão em disputa em determinada mão
TILTADO OU QUEIMADO jogar de forma maluca, frustrado por estar perdendo
TIGHT contrário de loose. Jogador passivo e defensivo

Uma das personalidades criadas por esse fenômeno é o canadense Daniel Negreanu. Em um perfil seu publicado no jornal The New York Times, Negreanu afirmou que os jogadores de pôquer são “os novos rock stars”. Aos 34 anos, Kid Poker – apelido que faz referência a sua fisionomia de adolescente – é conhecido pela simpatia, pelo bom humor e pela destreza fora de série com as cartas. É nele que Alexandre diz se inspirar para jogar. Apenas em campeonatos ao vivo, Negreanu já faturou mais de US$ 10 milhões. Ele é um dos principais personagens do reality show High Stakes Poker. Em cada episódio do programa, dez jogadores se sentam à mesa com US$ 100 mil ou mais cada um. Não raro, os “potes” disputados chegam a US$ 500 mil.
Estima-se que, no planeta, 140 milhões a 180 milhões de pessoas joguem pôquer regularmente. Não é à toa que muita gente diz, como notou recentemente a revista inglesa The Economist, que “o pôquer fez tanto pela internet quanto a pornografia”. Em torno do Texas Hold’em, criou-se uma indústria bilionária. Na internet, os sites de apostas virtuais faturaram cerca de US$ 15 bilhões em 2006, tendo o pôquer como carro-chefe. Nos torneios de cassinos, tem crescido o número de inscritos, e, conseqüentemente, o valor dos prêmios. Em 2003, o evento principal do World Series of Poker (cuja inscrição custa US$ 10 mil) reuniu 839 pessoas. Chris Moneymaker, o vencedor, levou US$ 2,5 milhões. Neste ano, o total de competidores subiu para 6.844. O campeão, um garoto dinamarquês de 22 anos chamado Peter Eastgate, ganhou US$ 9,1 milhões.
No Brasil, há uma polêmica sobre a legalidade do pôquer. Os jogos de azar são proibidos no país. Discute-se se o pôquer se enquadra nessa categoria. Isso porque, nele, a habilidade é tão ou mais importante que a sorte. “A sorte é um fator determinante em vários aspectos da vida, então sem dúvida também é no pôquer”, diz Alexandre. “Mas no longo prazo, numa seqüência de mil torneios, seu efeito desaparece completamente. Prevalece a técnica do jogador”. Nos últimos anos, diversas casas voltadas para o Texas Hold’em foram abertas em São Paulo e outras cidades brasileiras. Devido ao impasse legal, elas são fechadas e reabertas constantemente. Enquanto não se chega a uma definição, o Hold’em cresce. Em maio, o Rio de Janeiro recebeu um torneio internacional organizado pelo site PokerStars. Cada um dos 314 competidores pagou US$ 2.500 para entrar. O título e o prêmio de US$ 223 mil ficaram para o holandês Julien Nuijten.
Muitos cartões de crédito brasileiros têm restrições a sites de pôquer e apostas, o que obriga os jogadores brasileiros a operações financeiras complicadas para enviar ou receber valores. Por isso, Alexandre pensa em se mudar para a Europa. “Lá, você não tem dificuldade nenhuma em depositar e sacar dinheiro nos sites de pôquer”, diz. Depositar não é uma coisa que ele faça com freqüência, mas retirar – vistos sua habilidade e seu potencial – é algo que ele tende a realizar cada vez mais.